As chocantes descobertas em local de 'recrutamento e extermínio' de cartel do México
13/03/2025
(Foto: Reprodução) A descoberta de um local onde jovens teriam sido recrutados e assassinados pelo crime organizado causou choque no México. Centenas de sapatos foram encontrados no Rancho Izaguirre
GBJ via BBC
Sentados no chão do Rancho Izaguirre, um grupo de busca de pessoas desaparecidas folheia um caderno com listas cheias de nomes e apelidos.
"Olha, eles deram apelidos a elas", diz uma mulher enquanto olha para as folhas. Alguns têm apenas apelidos em grupos de até 10. Outros têm o título "Comando" ou "Suporte", ou uma anotação de "Recrutas 74, 59 homens, 9 mulheres".
As anotações estavam entre centenas de pertences pessoais encontrados no Rancho Izaguirre, uma fazenda localizada na região agrícola de Teuchitlán, a uma hora de carro da cidade de Guadalajara, no oeste do México.
Integrantes do grupo Guerreros Buscadores de Jalisco, que tentam encontrar pessoas desaparecidas devido à violência no país, também encontraram restos mortais em valas clandestinas e evidências de que os corpos haviam sido queimados.
Este local foi isolado e investigado por autoridades federais e estaduais de Jalisco em setembro do ano passado, mas suas investigações não localizaram os restos mortais que os grupos voluntários de busca encontraram na semana passada.
"Ninguém nunca havia entrado em um lugar como esse. Entramos em lugares que eram fortalezas, mas não para treinamento, não para extermínio", disse Indira Navarro, porta-voz dos Guerreros Buscadores de Jalisco, à agência de notícias AFP.
Os pesquisadores encontraram várias listas com apelidos de possíveis vítimas
GBJ via BBC
Segundo os primeiros indícios, o local estava sendo usado por membros do crime organizado (a área é controlada pelo Cartel Nova Geração de Jalisco) para recrutar e treinar jovens que se juntariam aos seus comandos.
"Encontramos [o lugar] porque recebemos várias ligações anônimas... E então achamos restos carbonizados, restos de corpos humanos carbonizados em valas", disse Navarro, que procura seu irmão, Jesús Hernán Navarro, desaparecido no Estado de Sonora, desde 2015.
Restos de ossos foram encontrados no local, alguns com "sinais de calcinação", mas o número de mortos ainda não foi determinado, informou a Promotoria de Jalisco à BBC News Mundo.
Mas o fato de centenas de sapatos, roupas, mochilas e outros pertences pessoais terem sido encontrados fez com que os investigadores temessem que este pode ser o local de vários assassinatos.
Uma investigação incompleta
A descoberta dos restos mortais foi relatada na semana passada pelos Guerreiros de Busca de Jalisco, mas as autoridades sabiam da localização da fazenda desde 18 de setembro do ano passado.
O promotor Salvador González informou que a Guarda Nacional realizou primeiramente uma operação contra o crime no local onde supostamente ocorriam atividades criminosas. Dez pessoas foram presas e duas outras que haviam sido sequestradas foram resgatadas. Outros fugiram após um confronto.
As autoridades também encontraram um corpo à vista de todos, o que motivou uma busca que "durou até outubro", disse González.
"Mais de 10 pessoas, uma retroescavadeira, medidores de compactação de solo e equipes caninas participaram", explicou o promotor na terça-feira.
"Dadas as descobertas recentes, [é evidente que] o trabalho foi insuficiente. Portanto, iniciamos uma investigação para determinar possíveis omissões de qualquer autoridade e determinar a responsabilidade", afirmou.
A autoridade afirmou que, de acordo com as investigações forenses atuais, não houve nenhuma atividade na propriedade desde que o trabalho inicial foi realizado no ano passado, então os restos mortais encontrados pelos ativistas provavelmente não pertencem a vítimas recentes.
A propriedade tem algumas construções, mas é principalmente um campo aberto
Getty Images via BBC
A dolorosa descoberta
O Rancho Izaguirre é um lote retangular, com poucas construções e cercado por muros perimetrais, em meio a terras agrícolas no município de Teuchitlán.
Os que buscaram as vítimas disseram que o local não era vigiado pelas autoridades. Ao entrar, eles encontraram centenas de itens pessoais — como sapatos, roupas e mochilas — indicando que um grande número de pessoas pode ter passado por ali.
"Desde o começo, encontramos roupas, montes de roupas, muitas roupas. Encontramos sapatos, que viralizaram porque foram comparados a fotos de tempos antigos, de guerras, de locais de extermínio. Este foi realmente um local de extermínio, recrutamento e extermínio, porque acabaram com a vida das pessoas ali mesmo", explicou Indira Navarro à AFP.
Mais tarde, eles encontraram cadernos contendo listas de apelidos, algumas fotografias, uma carta e um documento de identidade. Além disso, foram coletadas quase cem cápsulas de balas.
Com a experiência adquirida em outros locais de busca, os membros do grupo começaram a escavar para ver se havia algum sinal de vítimas. Foi aí que encontraram os primeiros restos mortais, alguns com vestígios de queimaduras de fogo.
Navarro não hesita em ressaltar que se tratava de um local de "recrutamento e extermínio" como nunca tinham visto antes.
A Procuradoria Geral de Jalisco informou que há aproximadamente 400 itens pessoais, incluindo roupas, calçados e mochilas
GBJ via BBC
O Ministério Público de Jalisco, no entanto, disse à BBC Mundo que o número de pessoas supostamente mortas no local ainda não foi determinado. Embora existam restos mortais, exames forenses determinarão a quantas pessoas eles pertencem.
O que as autoridades confirmaram até agora é a existência de "seis lotes de ossos em quatro locais". Eles também relatam que os pertences são tanto de pessoas envolvidas em "atos ilegais" quanto das vítimas desses atos.
Segundo a investigação, "foi confirmado um método que não havia sido utilizado pelo grupo criminoso: além de queimar os restos mortais, eles foram escondidos sob uma laje de tijolos e uma camada de terra".
A pessoa que escreveu a curta carta "está viva e reunida com sua família desde outubro de 2024", disse o Ministério Público Estadual.
Local de 'recrutamento'
O grupo de busca de pessoas desaparecidas de Jalisco também indicou que há evidências de que o Rancho9 Izaguirre foi usado como local de recrutamento para o crime organizado.
Há vários anos, os Guerreros Buscadores de Jalisco e outras organizações denunciam que os jovens são atraídos com ofertas de emprego enganosas com salários atrativos, e que as vítimas acabam em lugares como Teuchitlán.
Um denunciante que contatou Indira Navarro afirmou que centenas de jovens foram enviados para lá e submetidos a práticas desumanas, incluindo tortura e coerção para atacar uns aos outros.
Em Jalisco, o desaparecimento de jovens durante esforços de recrutamento pelo Cartel da Nova Geração de Jalisco foi documentado no passado. As autoridades dizem que não podem confirmar nem descartar que o que ocorrera no Rancho Izaguirre seguia esse padrão.
Mas eles identificaram que no local "havia uma área de treinamento tático e uma área de condicionamento físico", além de armas, coletes e estojos de munição.
Entre os objetos encontrados na fazenda estavam uma carteira de identidade, fotografias e cartuchos de armas
GBJ via BBC
O promotor González garantiu que haverá "transparência" nas investigações, e seu gabinete tornou públicos dados e fotografias de todos os objetos encontrados na propriedade para ajudar as famílias das vítimas a identificá-los.
A presidente mexicana Claudia Sheinbaum chamou o ocorrido de "terrível" e questionou as ações do Ministério Público desde que o caso começou no ano passado: "Por que eles não protegeram o local depois? Uma investigação sobre o ocorrido deve ser conduzida", disse ela.
O procurador-geral Alejandro Gertz anunciou que uma investigação federal será iniciada para determinar se seu gabinete assumirá o caso ou o deixará nas mãos das autoridades de Jalisco. "Em um prazo bastante razoável, teremos informações gerais e as divulgaremos antes que qualquer ação aconteça", disse ele.
Enquanto isso, vários grupos que buscam pessoas desaparecidas e familiares de vítimas têm revisado os dados e fotografias que foram compartilhados para encontrar evidências de seus entes queridos.
"Que a linha seja seguida, que as investigações sejam conduzidas como devem ser. Esta situação nos deixa consternados, e não apenas a nós como um grupo, mas acredito que a todos", disse Indira Navarro.
Com reportagem de Darío Brooks.